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Tupinambá de Olivença, alvo de ataques anti-indígenas

Ernenek Mejía*

Brasil. Aumenta a violência contra os Tupinambá de Olivença, indígenas que se localizam no sul da Bahia, no Nordeste do Brasil, que tiveram suas terras reconhecidas oficialmente em 2009, após um longo processo legal que está ainda em aberto e que se estende por mais de uma década. Os ataques são a última etapa de um tenso conflito pelo cumprimento dos direitos coletivos dos indígenas na região e formam parte de um contexto maior, definido pela ausência de uma efetiva reforma agrária no país, e assim tanto indígenas como camponeses não indígenas veem desaparecer a possibilidade de viver com dignidade ao se manter intactos os latifúndios e o poder dos grandes produtores rurais.

O resultado desse desinteresse pela reorganização da propriedade da terra por parte dos governos democráticos representa o atual poder de fato das elites rurais de Brasil, as quais mantêm uma importante participação nos partidos políticos e uma grande capacidade de pressão sobre os governos municipal, estadual e nacional. Elites que atacam, sem trégua, permanentemente, os indígenas e seus direitos, e mais intensamente depois da Constituinte de 1988, quando no contexto da democratização do país pelo fim da ditadura, o movimento indígena nacional conseguiu um triunfo legal e político que transformou essas populações nos únicos sujeitos coletivos a serem reconhecidos, ainda que reduzidamente, seu direito a um território e a devolução das terras que lhes foram tiradas.

A exclusividade desse direito constitucional transformou aos indígenas no principal alvo de todo tipo de ataques promovidos pelos grandes produtores rurais, fazendeiros e pelo agro negócio, com o objetivo de evitar a perda do direito de continuar se apropriando das terras ainda ocupadas pelos indígenas e a perda das que já foram tiradas a estas mesmas populações em diferentes momentos históricos. O argumento da elite rural é que sua produção é um dos pilares da economia nacional e, nesses términos, é mais importante para o desenvolvimento do país e a produção de empregos as terras em suas mãos que nas dos indígenas.

Foi nessa trajetória que os Tupinambá de Olivença, ainda frente às grandes dificuldades, decidiram iniciar, em 1997, o processo pela demarcação das terras tradicionalmente ocupadas por eles, e assim conseguir a devolução e homologação do seu território. Uma luta que não começou agora, mas há mais de um século, onde o conflito entre indígenas e não indígenas foi sempre pela terra.

Atualmente, o conflito na região continua dividido em duas partes: de um lado, os Tupinambá de Olivença, indígenas de diversos povos que ocuparam antes e depois da Colônia as proximidades da então vila da Nossa Senhora da Escada, hoje o distrito de Olivença no município de Ilhéus. Um local que se tornou, ao longo do tempo, um centro indígena da região depois de que foram impedidos de morar fora desse aldeamento jesuítico. Ainda que proibido, a ocupação tradicional dos Tupinambá não se limitou a essa localidade e se estendeu por uma grande quantidade de locais e serras vizinhas abarcando o que hoje são parte dos municípios de Una e Buerarema. Atualmente, os Tupinambá de Olivença, se encontram mobilizados pela demarcação de suas terras das quais forma expulsos num processo que foi tornado a terra de um uso não privado a propriedades privadas nas mãos de não indígenas.

Do outro lado do conflito, se encontram os fazendeiros que se instalaram na região, principalmente na busca de ganâncias que oferecia o cacau, chamado “frutos do ouro” pelo preço que manteve ao logo do século XX. Uma produção que trouxe também outra classe social de não indígenas: imigrantes de diversos estados do Nordeste que fugindo da seca e da pobreza se empregaram como trabalhadores nas fazendas, se adentrando nas terras indígenas onde foram ficando. Esses dois grupos, atualmente se mantêm articulados, por motivos diferentes, para evitar a demarcação da Terra Indígena, questionando aos Tupinambá na sua autenticidade, acusando-os de serem populações misturadas para assim também questionar seu direito à demarcação do seu território como indígena.

O apoio do governo à elite rural, violência direta e estrutural

Porém, o conflito que foi crescendo nessa região do sul da Bahia, pelo desinteresse das autoridades em demarcar rapidamente a terra Tupinambá; pela falta de cuidado para oferecer alternativas dignas aos pequenos produtores familiares e camponeses sem terra que se empregam nas fazendas que serão deslocados; pela pressão dos fazendeiros aos diversos poderes locais para manter suas propriedades intocadas; como também pelas mobilizações indígenas de retomadas de fazendas como forma de recuperar as terras e pressionar as autoridades; tem experimentado uma transformação significativa nos últimos meses, tornando-se uma onda de violência que tem se transformado num movimento anti-indígena, o qual, com o apoio político e econômico das elites econômicas locais, configura já uma campanha de ódio contra qualquer que seja, aparente ser ou apoie aos Tupinambá de Olivença.

Esse processo de violência crescente não se encontra isolado num contexto regional e parece contar com o apoio do governo em diversos níveis, não só pela omissão na aplicação da justiça nos crimes cometidos contra os indígenas e os delitos de discriminação e racismo, mas também na atitude política que ao contrário de buscar acalmar os ânimos entre as partes, se dedica a aumentar a tensão, manifestando sua oposição, ainda nos chamados partidos de esquerda, à implementação dos direitos indígenas, Como o fez o governador do estado de Bahia, Jaques Wagner – do PT – quem em público se manifestou contra a demarcação da terra dos Tupinambá de Olivença, posicionando-se a favor de uma reforma que evite as demarcações de Terras Indígenas no país, opondo-se desse maneira à luta histórica do índios do Brasil.

Do mesmo modo, as políticas contra os direitos indígenas, em particular contra a demarcação e devolução das terras aos indígenas, está presente nas posições do governo federal, fomentandas pela própria Dima Rousseff e pela ministra-chefe de casa civil, Gleisi Hoffmann – do mesmo partido que o governador da Bahia – a última personagem localizada ao lado das elites rurais que se opõem à implementação dos direitos indígenas e a qual, a partir dos primeiros dias no cargo, se dedicou a suspender diversos processos abertos de demarcação de Terras Indígenas nos estados. Uma posição que ainda é acompanhada de outras propostas que pretendem dificultar a demarcação de novas Terras Indígenas. Como a PEC 215, que pretende transferir ao Congresso Nacional a competência de realizar novas demarcações de terra.

O que faz o um movimento anti-indígena

O rancor contra os Tupinambá de Olivença pelos grupos que se opõem a demarcação da sua Terra Indígena, não é causado por um conflito entre o direito liberal e direitos coletivos, se trata do surgimento de um movimento abertamente anti-indígena que tem consequências diretas na vida cotidiana dessas populações no sul da Bahia. Um cenário no qual estão emergindo também novos objetivos que tem deixado de ser exclusivamente um problema pela terra e se transformando em iniciativas de ódio contra os indígenas.

A transformação desses objetivos de um importante grupo na população não indígena da região pode ser percebida nos acontecimentos que começaram no passado 14 de agosto, quando, nas cercanias da comunidade da Serra do Padeiro, município de Buerarema, homens armados atiraram contra o transporte da Escola Estadual Indígena, atingindo a cabine do condutor sem que nenhum dos ocupantes morresse, mas que vários dos ocupantes saíssem feridos pelos estilhaços da bala. No entanto, a agressão não foi um ato isolado cometido por um pequeno grupo radicalizado, pelo contrário, aconteceu a só dois dias de uma ampla manifestação no mesmo município contra a demarcação da Terra Indígena, na qual bloquearam a estrada principal e queimaram diversos carros oficiais, e a dez dias de outra mobilização parecida na qual queimaram a casa de oito indígenas que moravam na mesma cidade.

A campanha de ódio também não tem sido silenciosa e é acompanhada com diversos outdoors espalhados pelas estradas do município no qual se ameaça explicitamente aos indígenas Tupinambá acusando-os de serem “falsos índios”, mensagem que está acompanhada pela imagem de homens armados com espingardas em posição de tiro. Uma atitude generalizada entre a população não indígena da região e que, ainda sob o nível explícito de violência o qual já tipifica o crime de discriminação e preconceito, continua a contar com o apoio de autoridades e do partido no governo como mostram as declarações do deputado Geraldo Simões – também do PT – quem exige: “se suspenda a demarcação (…) Que se reintegre a posse das propriedades invadidas e se inicie uma negociação do Governo, com os segmentos realmente indígenas”.

Esse apoio das autoridades tem permitido o aumento da violência anti-indígena, a qual também não é mais reservada para os Tupinambá, mas contra a qualquer que seja ou tenha aparência de indígena. Esse foi o motivo da agressão, que aconteceu no dia 5 de setembro, contra os professores da Licenciatura Intercultural Indígena do Instituto Federal de Bahia (FBHA): João Veridiano Franco Neto, Julia Rosa Castro de Britto e Edson Machado de Brito, o último coordenador do curso e indígena Kayapó, os quais ainda sem ser parte do conflito local, viveram o ódio anti-indígena que atualmente domina a região de Olivença, em particular as cercanias do município de Buerarema.

Os professores relatam que viajavam em direção a sede de seu trabalho em Porto Seguro, a 300km de onde se encontravam, e que ao passar por Buerarema encontraram a estrada bloqueada por mais uma mobilização contra a demarcação da terra dos Tupinambá. O carro teve que parar a 700 metros da barricada e por transitar num veículo oficial foram rapidamente abordados por quatro homens e uma mulher que, como relata o professor Kayapó, ao perceber que tinha um indígena entre os passageiros teriam dito “tem um índio no carro”, ordenando sair do veículo aos professores e ao motorista, começando, nesse momento, as agressões verbais principalmente contra o coordenador da licenciatura por sua aparência indígena.

Depois dessas agressões, os manifestantes teriam queimado o carro do instituto, obrigando os ocupantes a entregar os celulares, mantendo-os sem comunicação. Frente a essa situação, os professores tomaram a decisão de que Edson Brito deveria deixar o local ao ser ele o alvo dos ataques anti-indígena, ele foi colocado em um táxi em direção contraria as manifestações até a cidade mais próxima onde pediria ajuda.

Os professores João Neto e Julia Britto ficaram no local e conseguido sair sem ferimentos das agressões e se dirigiram até a polícia da cidade de Buerarema para fazer o boletim de ocorrência. No entanto, para Edson os fatos aconteceram de um modo diferente, o táxi em que se afastava das manifestações foi alcançado por um grupo de pessoas que, relata, ao parar o carro teriam batido nele enquanto mantinham com o seguinte diálogo:

Você é índio, né?

– Sou Kayapó, não sou daqui da Bahia.

Mas você é índio, né?

-Sou, sou Kayapó, sou da Amazônia.

O que você tá fazendo aqui?

– Sou professor do IFBA, trabalho na Licenciatura Intercultural Indígena.

Você é amigo deles.

Você está preparado pra morrer?

(silêncio e barulho do gatilho da arma que não disparou)

Vá embora, nem olhe para trás”.

Como ele mesmo diz: “achei que morreria”, mas Edson foi solto com um olho inchado e conseguiu chegar à cidade de Itabuna, município vizinho de Buerarema onde ele continuou escondido nos seguintes dias até poder voltar em segurança, já que o percurso até onde se dirigia passava pelo local donde foi ameaçado.

Essa efervescência de atos de ódio entre os integrantes de um movimento abertamente anti-indígena levou, inclusive, a que dias atrás alguns dos seus membros, ao saber da notícia de que um homem armado teria sido detido pela polícia nas cercanias da comunidade Serra do Padeiro e trasladado à delegacia, se mobilizassem para o local para cercar a delegacia de polícia com a ameaça de pegar o sujeito para fazer justiça com as próprias mãos. Ao saber que não era um indígena os homens se retiraram do local sem mais exigências.

O conflito que atualmente toma conta dessa região no sul da Bahia está longe ser algo passageiro e parece instalar uma violência que cresce em cada novo ato que é relatado pelos indígenas, mais ainda porque parece contar com o apoio das autoridades, como as declarações do governador do estado, quem mesmo depois do acontecido, afirmou que não interviria no conflito até o Ministério da Justiça não tomar a decisão sobre a criação da Terra Indígena dos Tupinambá de Olivença – processos que já venceu o prazo faz mais de um ano e meio. Uma posição irresponsável que fortalece o movimento anti-indígena, aumentando um ódio que não parece preocupar a nenhum político de nenhum partido nem a nenhuma autoridade, que parece ser a antessala de uma violência maior anunciada, inclusive, em outdoors de toda a região.

*Com a colaboração e informação de João Veridiano Franco Neto, Julia Rosa Castro de Britto, Edson Kayapó Machado de Brito e Daniela Alarcon e dos participantes da Campanha Tupinambá (http://campanhatupinamba.wordpress.com/)

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