Terras Tupinambá em risco

Por Ernenek Mejía

Ainda que a sociedade e o governo da região afirmassem que eles não eram índios, os Tupinambá, também conhecidos como índios de Olivença ou caboclos, nunca desapareceram. Mais recentemente conseguiram, por meio de um movimento que teve início em 1999, seu reconhecimento como indígenas e a delimitação de seu território, em 2009, com 47.300 hectares.

Essas terras ainda não foram entregues aos indígenas. Há mais de 15 anos os Tupinambá de Olivença travam uma luta política e judicial para que se efetive o processo legal de demarcação, homologação e, finalmente, desintrusão dos fazendeiros e agricultores não indígenas com propriedades, que ao longo do século XX, transformaram o território indígena em propriedade privada.

Como outros povos indígenas do nordeste, os Tupinambá foram considerados assimilados e, portanto, não-indígenas, ou seja, povos sem direito ao território. A estratégia das “retomadas” é, assim, uma forma de reaver seu território ocupando as propriedades dos não-indígenas e, de forma autônoma, recuperar a terra que lhes foi despojada pelos fazendeiros.

Entre os Tupinambá de Olivença a estratégia das “retomadas” teve início em 2004, quando foram “retomadas” as fazendas Bagaço Grosso e Futurama, que se localizam numa região, dentro do território Tupinambá, conhecida como Serra do Padeiro, onde decidiram começar o que hoje é chamado de auto-demarcação, e que lhes possibilitou recuperar toda a região oeste da Terra Indígena Tupinambá.

Em outras áreas do mesmo território as “retomadas” começaram em 2006, mas foi somente em 2013 que os indígenas usaram de maneira intensiva essa estratégia, como meio de pressionar as autoridades estatais e federais para demarcar sua terra e recuperar seu território. Nesse ano, as 18 “retomadas” iniciais se transformaram em 150, permitindo que muitas famílias sem terra, que viviam nos centros urbanos próximos à Olivença, ou ao redor do mesmo município como trabalhadores assalariados nas fazendas locais, obtivessem um espaço para viver e produzir seus produtos e voltassem a viver de seu jeito.

As reintegrações

Ainda que as “retomadas” sejam entendidas pelos indígenas como uma ação política legítima e como meio de saldar a divida histórica que o Estado possui com os povos indígenas que foram despojados de seus territórios, para as autoridades essa estratégia se trata de uma ação ilegal, já que até a finalização do processo de demarcação, as pequenas e as grandes fazendas são entendidas legalmente como propriedades privadas, assim sua “retomada” se tipifica como uma ocupação ilegal, ainda que já tenham sido reconhecidas pelo Estado como território indígena.

Essa ambiguidade jurídica que reconhece a ocupação tradicional do território ao mesmo tempo em que defende a propriedade privada desse mesmo território, levou a muitos fazendeiros a aceitar a entrega de suas terras aos indígenas, permitindo realizar as “retomadas” na expectativa de receber a indenização correspondente do governo federal; porém, em outros casos, com as “retomadas”, muitos fazendeiros solicitaram à Justiça sua reintegração de posse, iniciando um complicado processo legal e político que envolve a controvérsia entre os direitos coletivos e individuais.

Porém, o que se percebe é a falta de definição e disposição das autoridades, nos três níveis de governo, em concluir o processo de demarcação da Terra Indígena Tupinambá no prazo determnado pela lei. Processo que deveria ser iniciado com a indenização dos fazendeiros, acabando assim com as incertezas dos envolvidos. Essa demora tem gerado um acirramento das relações entre indígenas e não indígenas na região, o aumento das “retomadas” e consequentemente das reintegrações.

A tensão piorou e chegou a níveis alarmantes nos últimos meses de 2013, quando as confrontações resultaram em ataques violentos contra os Tupinambá por um grupo de não indígenas organizados e financiados pelos donos das fazendas. Queimaram casas, detiveram e roubaram suas produções, assediaram e ameaçaram àqueles que se solidarizam com a luta indígena e patrocinaram outdoors nas estradas da região onde intimidavam líderes indígenas e autoridades indigenistas, o que levou ao governo federal a exigir a presença da Força Nacional na região para controlar a escalada de violência.

A demora das demarcações e o discurso ambíguo com o qual as autoridades municipais, estaduais e federais tratam o tema, permite o fortalecimento dos fazendeiros dentro dos territórios indígenas e de sua campanha contra a demarcação, possibilitando a reintegração de posso da maioria das propriedades “retomadas”.

Nesse contexto, nos últimos dias foram liberadas as ordens de reintegração de mais de 70 fazendas das 150 que estavam em revisão. Essa ação criou nos últimos dias um clima de incerteza entre a população indígena, já que se encontram ameaçadas “retomadas” que se tornaram ícones de sua luta pelo reconhecimento como Tupinambá e pela recuperação de seu território. O que se percebe é que o cumprimento dos requisitos legais para o reconhecimento de suas terras ocupadas tradicionalmente não é o suficiente para sua recuperação.

O anterior num cenário contrário aos direitos indígenas e o distanciamento da sociedade civil da causa indígena perceptível em todos os lados, inclusive entre as autoridades que devem garantir o cumprimento da lei, como mostra a inédita ordem de reintegração de posse massiva, que foi conseguida pela criminalização da luta Tupinambá pelos Tribunais Regionais Federais, que consideram as “retomadas” feitas pelos indígenas como um ato de desobediência, blindando desse modo os recursos legais que os órgãos indigenistas podem interpor ao se tratar de um território em processo de demarcação.

Um momento difícil

Em uma assembleia, uma das lideranças indígenas com longa experiência de retomar seus territórios fez uma reflexão: “enquanto não demarcar a casa não arruma”. A afirmação caracteriza sua realidade de ir e vir pelas “retomadas”, entregando a terra quando são reintegradas e “retomando” novamente para encontrar um lugar onde viver, começando em cada novo momento as plantações e reconstruindo casas.

A procura por uma saída definitiva para a demarcação de seu território é compartilhado por todos os caciques Tupinambá, que reunidos ao longo das últimas semanas, por causa das crescentes reintegrações de posse, culpam o governo pela demora da demarcação de sua Terra Indígena e, consequentemente, pelos conflitos causados por essa situação, confrontos que poderiam ser evitados se a lei brasileira de demarcação de terras indígenas fosse cumprida segundo os tempos delimitados pela Constituição.

Essa situação de confronto, causada pela demora política, trás outros problemas, que ultrapassam as tensões entre indígenas e não indígenas. Novos atores como a Força Nacional e a Polícia Federal chegaram à Olivença, segundo eles mesmos, para “pacificar a região”. Ambas as instituições teriam que manter uma atitude de neutralidade para promover a distensão do conflito, porém sua atitude é violenta contra os habitantes indígenas da região, como a localização das bases da Força Nacional em uma das fazendas, que com a autorização do fazendeiro se transformou num dos quartéis, onde são apreendidos veículos dos indígenas e produtos obtidos nas fazendas “retomadas” gerando que os Tupinambá hoje se sentem ameaçados tanto pelos fazendeiros como pela força pública.

Nesse contexto, é comum ouvir entre os jovens indígenas frases de descontentamento, um deles, ao ver circular um carro da Força Nacional, manifestou: “até a polícia que está aqui para ajudar aos indígenas, está a favor dos fazendeiros”. Esse sentimento de ofensa levou à Brasília, na semana passada, uma comissão composta por 45 indígenas entre caciques e lideranças, com o objetivo de tentar se reunir com as autoridades federais para exigir a pronta demarcação da Terra Indígena dos Tupinambá de Olivença, e a suspensão das mais de 70 ordens de reintegração de posse.

Esse é um momento difícil para os povos indígena no país. Em ano de eleições nenhum político nem no estado da Bahia, nem nacionalmente, quer perder o apoio da bancada ruralista a qual vem ganhando espaço e poder nas cadeiras do Congresso e exige em defesa do direito liberal e contra os direitos coletivos, conquistados pela Constituição de 1988, o fim das demarcações das terras para indígenas e comunidades tradicionais, uma demanda que não parece estar tão afastada das posições do Partido dos Trabalhadores que governa o país e os estado da Bahia.

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