Por uma vida sem catracas! A luta contra o aumento das passagens de transporte público em São Paulo

Texto: Rafael Pacchiega - Xavier integrante do MPL-SP Fotos: Pedro Nogueira

São Paulo, Brasil. Podemos resumir o Movimento Passe Livre como um grupo de pessoas comuns que se juntam para discutir e lutar por outro projeto de transporte para a cidade em todas as regiões do país. Não somos filiados a nenhum partido político ou instituição. O MPL é um movimento social autônomo, apartidário, horizontal e independente. Isso significa que não temos presidentes, dirigentes, chefes ou secretários, todos têm a mesma voz e poder de decisão dentro dos nossos espaços.

Desde o ano de 2000, houveram importantes acontecimentos, mobilizações e organizações que levaram ao amadurecimento desse movimento. No ano 2000, na cidade de Florianópolis (Santa Catarina), foi criada a Campanha pelo Passe Livre que, em 2004 e 2005, culminou com as Revoltas da Catraca, que permitiram, por duas vezes seguidas, que se revogasse os aumentos das tarifas de ônibus. Também foi importante a Revolta do Buzu, na cidade de Salvador (Bahia), em 2003, uma revolta espontânea da população contra o aumento da tarifa de ônibus, o sistema privado de Transporte e as entidades estudantis, que em reuniões fechadas na prefeitura não representavam o que as manifestações defendiam nas ruas. Em 2005, na Plenária Nacional pelo Passe Livre, realizada durante o 5º Fórum Social Mundial, delegações de todo o país fundaram o Movimento Passe Livre.

No princípio o Centro de Mídia Independente teve papel fundamental para ajudar a divulgar as atividades do MPL. Hoje, o Passa Palavra e o Jornal Brasil de Fato também cumprem esse importante papel de difundir nossa luta.

Nosso principal objetivo é impulsionar ações e iniciativas que fortaleçam a luta por um transporte público de verdade, ou seja, gratuito e de qualidade para o conjunto da população e fora da iniciativa privada. Grande parte das pessoas que participam de nosso movimento são jovens, em especial, de segundo grau de escolas privadas e públicas, onde a maioria dos trabalhos de base são feitos.

No entanto, como aqui em São Paulo já não lutamos mais pelo passe livre estudantil apenas, por entender que as pessoas mais excluídas estão nas periferias das cidades, estamos ampliando nossas atividades para a periferia e realizando intervenções em comunidades e junto a outros movimentos sociais.

Desde a formação do MPL, muitos debates foram realizados e houve um grande avanço na discussão sobre o transporte público em nosso movimento. Dados governamentais indicam que aproximadamente 39 milhões de brasileiros não têm acesso aos meios de transporte coletivo, sendo um dos motivos, talvez o principal, o alto valor das tarifas. Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que o transporte coletivo é o terceiro maior gasto no orçamento de uma família, ficando atrás apenas de habitação e alimentação.

Pensamos que uma das formas de conquistar mudanças em nossa sociedade é através da transformação na lógica da mobilidade urbana. O atual modelo do sistema de transporte coletivo de nossas cidades, que tem seu sustento financeiro garantido diretamente por meio do pagamento das passagens, é uma armadilha, que requer sempre mais e mais dinheiro. Esse é o verdadeiro obstáculo que ataca diariamente o direito de ir e vir de milhares de pessoas em todo o país e é contra a lógica desse sistema que lutamos.

Mas, na verdade, nós sabemos que essa reivindicação não é a única bandeira necessária para mudarmos de vez o mundo em que vivemos. Já que em nossas cidades, além da exclusão pelo transporte, há desigualdades entre brancos e negros, homens e mulheres, ricos e pobres.

No Movimento Passe Livre São Paulo todo mundo faz de tudo um pouco. Todos os militantes ajudam no que podem, em seus trabalhos cotidianos de atividades e mobilização. Gosto bastante de ajudar na divulgação de nossa luta, por meio de sítios na internet e redes sociais. Outras iniciativas bem interessantes são as oficinas e conversas em escolas públicas e particulares pela cidade. Participo também, com outros militantes, dos batuques da Bateria do MPL-SP, responsável pela animação e ritmo contagiante de nossas manifestações.

Estamos agora, em São Paulo, numa importante jornada de lutas contra o aumento das tarifas, que foram reajustadas para um valor bem caro e acima da inflação registrada no período. O valor da passagem de ônibus em São Paulo aumentou de R$ 2,70 para R$ 3,00 no dia 5 de janeiro. Mas é bom lembrar que essa jornada de luta não está acontecendo apenas em São Paulo, milhares de pessoas, há várias semanas, estão protestando em todo o Brasil.

Aqui na cidade de São Paulo já realizamos mais de dez grandes manifestações, além de atos, panfletagens e intervenções em grandes terminais de ônibus. Por duas ocasiões, cerca de 4 mil manifestantes ocuparam o Terminal Parque Dom Pedro II – o maior terminal de ônibus urbano da América Latina – e abriram as portas dos coletivos para que as pessoas voltassem gratuitamente para suas casas, mostrando na prática à população que é possível manifestar-se contra esse modelo atual de transporte coletivo.

A negociação com o poder público tem sido uma das dificuldades de nossa mobilização. De forma recorrente, a prefeitura e a Secretária de Transportes da cidade não recebem os manifestantes – e ainda mentem para a grande imprensa, dizendo que estão sempre abertos ao diálogo.

Conseguimos, com a força das ruas, conquistar uma Audiência Pública na Câmara dos Vereadores justamente para discutir os motivos desse abusivo aumento das passagens em São Paulo. O Secretário dos Transportes e vários vereadores compareceram nesse evento – mas apenas apresentaram as mesmas justificativas sobre o reajuste, com a exposição de dados que buscam reafirmar para população paulistana que o aumento é inevitável e decorrente de uma questão técnica.

Não nos demos por satisfeitos, e conseguimos uma reunião de negociação com o Executivo sobre o aumento. Porém, no dia 17 de fevereiro, quando deveria ocorrer a reunião, os representantes do Poder Executivo não compareceram.

Como resposta, nesse mesmo seis manifestantes ocuparam a Prefeitura de São Paulo e se acorrentam nas catracas do seu saguão principal. O acorrentamento tinha como função justamente conseguir, de fato, uma reunião com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Do lado de fora, o número pessoas em frente à Prefeitura não parava de aumentarem solidariedade à luta. Desconsiderando a manifestação, os vereadores informaram que o diálogo com o Executivo havia sido impossibilitado.

Enquanto isso, celebrando o dia nacional de luta contra o aumento das tarifas, uma catraca foi queimada. Primeiro a Guarda Municipal e, pouco depois, a Polícia Militar, entraram em ação. A repressão foi democrática, atingiu homens, mulheres, adolescentes, adultos, idosos, vereadores, todos que lá estavam foram alvos. Um dos jovens foi brutalmente espancado e terminou no hospital. Com efeito, essa não é a primeira vez que isso acontece.

Mesmo diante dessas tentativas de calar as manifestações, o movimento segue forte. Ao mesmo tempo em que lamenta as sucessivas negativas ao diálogo, o Movimento Passe Livre avisa que é somente com pressão que as conquistas se fazem.

Por esse motivo, no dia 03 de março outro protesto reuniu cerca de 1.500 pessoas no centro da cidade, sentados paramos o trânsito da Avenida Paulista por cerca de dez minutos. Cinco dias depois, durante uma viagem para tratar de negócios imobiliários em Paris, o prefeito Gilberto Kassab foi surpreendido por brasileiros próximos ao MPL e pela Rede pela Abolição do Pagamento do Transporte (RATP), companheiros franceses que nos apoiam em nossa luta. No dia 10 de março, enquanto o prefeito ainda estava em Paris, o MPL-SP reuniu cerca de 200 manifestantes em frente à sua residência, em um dos bairros mais nobres da cidade, a fim de deixar em evidência o absurdo de sua política de transporte. No 17 de março outro ato marcou nosso rechaço absoluto ao aumento das tarifas. Nessa ocasião, a Bateria do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de São Paulo, Unidos da Lona Preta, deu uma força para a Bateria do Movimento Passe Livre: foi lindo! E as manifestações não pararam por aí.

Por todos esses acontecimentos relatados é que nós acreditamos que não devemos esperar por iniciativas e ações de políticos e empresários, e que somente a organização e a iniciativa popular pode conquistar mudanças realmente significativas na sociedade, como a construção de um transporte, uma cidade e mesmo um mundo diferente. Nossa luta não termina aqui!

Bandeira do Movimento Passe Livre

Bandeira do Movimento Passe Livre[/caption

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