Ninguém é considerado culpado pelo assassinato do Marcos dos Guarani do Brasil

Texto: Spensy Pimentel Foto: João Ripper/Survival

Foram mais de oito anos de espera parcialmente frustrada. No último dia 25 de fevereiro, a Justiça Federal brasileira condenou três ex-funcionários da fazenda Brasília do Sul, de Juti (MS) a 12 anos de prisão por formação de quadrilha, sequestro e tortura. Considerou-os inocentes, contudo, da acusação mais séria que estava em jogo, a do assassinato, a pauladas, do cacique guarani-kaiowa Marcos Verón, então com 72 anos, entre 12 e 13 de janeiro de 2003. Como já cumpriram parte da pena, aguardando o julgamento, a luta agora é para que cumpram toda a pena em regime fechado.

Entre tanta impunidade pelas mortes de lideranças dos povos originários, quilombolas e camponeses no país, e particularmente entre os Guarani Kaiowa, o povo indígena mais numeroso e ao mesmo tempo o mais castigado pelas violações de direitos humanos, esse julgamento em particular causava expectativa. O Ministério Público Federal e os advogados que assessoram os indígenas tinham conseguido a mudança de foro, do Mato Grosso do Sul para São Paulo, como forma de minimizar as possibilidades de influência política e preconceito racial – fato praticamente inédito em se tratando de um crime vinculado à luta indígena pela terra. Além disso, conseguiu-se que a Justiça reconhecesse o direito de que as testemunhas indígenas fossem ouvidas em sua língua, o guarani.

Por enquanto, apesar dos avanços, segue inalterada, na avaliação dos indígenas, a mesma impunidade para os fazendeiros e seus asseclas que afetou outra famosa liderança guarani-kaiowa, Marçal de Souza, morto em 1983. Há poucos anos, o crime prescreveu sem que ninguém fosse condenado por ele. Segundo levantamentos anuais divulgados pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), cerca de dois terços dos assassinatos contra indígenas no país acontecem em Mato Grosso do Sul – estado que é também campeão em encarceramento de indígenas (eram ao menos 148 em levantamento divulgado pela imprensa em 2009). Também ocorrem no estado, e particularmente entre os Guarani-Kaiowa, grandes índices de suicídios.

Permanece viva a indignação para quem já ouviu o testemunho sobre os acontecimentos de janeiro de 2003 de gente da comunidade que reivindicava o tekoha Takuara – hoje reconhecido como terra indígena pelo governo brasileiro – ou dos membros da família Verón que seguem na luta pela recuperação do território guarani-kaiowa. A seguir, o depoimento de Valdelice Verón, filha de Marcos, registrado em dezembro de 2003, em Dourados (MS).

Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil.Ela diz que foi assim: era manhã do dia 13 de janeiro, e Kelen chegou correndo ao quarto. «Manhê, o vovô tá ruim!». Na TV Globo, a repórter narrava as notícias do Bom Dia MS. «O líder indígena foi encontrado à beira da rodovia que liga Juti a Caarapó. Em estado grave, foi levado para o Hospital Evangélico de Dourados».

Valdelice conta que sentiu o corpo amolecer. Só o medo a manteve de pé. «Não quero mulher atrás de mim, mulher é medrosa», o pai costumava dizer-lhe, antes de cada ação de seu exército. «Eu temo é pelo senhor», ela lhe respondia.

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