São Paulo, Brasil. Mais uma vez uma manifestação pacífica nas ruas da capital paulista no Brasil é ferozmente reprimida pelas forças da polícia militar. Dia 21 de maio, sábado, cerca de 2 mil pessoas reunidas na Avenida Paulista em uma marcha pela legalização da maconha – que teve de mudar seu caráter para marcha pela liberdade de expressão diante de uma decisão de censura do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) –, resistiram por cerca de 3 horas a bombas, balas de borracha, gás de pimenta e cassetetes.
A Marcha da Maconha (Global Marijuana March), manifestação anual pela legalização da droga, teve início em 1999 nos EUA, encabeçada pelo ativista Dana Beal. Desde então, diversas cidades do mundo passaram a realizar o evento preferencialmente no dia 7 de maio, data mundial estabelecida para luta e manifestações favoráveis a mudanças nas leis relacionadas à produção, consumo e distribuição da erva. Hoje, a Marcha da Maconha (com variações de nome) acontece em mais de 300 cidades, em 63 países. No Brasil, esse ano, ela foi organizada em 20 cidades.
Os militantes do chamado movimento antiproibicionista têm o intuito de fomentar na sociedade um debate a respeito dos perversos efeitos da proibição das drogas como a criminalização da pobreza, o encarceramento em massa, a corrupção em torno de um mercado que tem altíssima demanda, os interesses econômicos e políticos que determinaram a ilicitude de certas drogas. Apesar disso, no Brasil ainda se enfrenta resquícios da ditadura militar: a briga em muitas cidades sai do foco de legalização das drogas para legalização da liberdade de expressão.
No Rio de Janeiro a Marcha da Maconha reuniu cerca de 5 mil pessoas e, ao som de marchinhas de carnaval temáticas, percorreu com tranquilidade todo seu trajeto da praia de Ipanema até o Arpoador. Em Recife, 1 mil manifestantes marcharam dia 22 de maio a favor da legalização da droga aos gritos de “sou maconheiro, com orgulho”, também sem nenhum enfrentamento com a polícia. O cenário pacífico não foi o mesmo em Belo Horizonte, dos quais entre 200 manifestantes, 5 foram detidos. O Tribunal de Justiça de BH havia proibido a realização da marcha no mesmo dia em que ela aconteceu. Ironicamente, a passeata terminou na praça da Liberdade.
A marcha em São Paulo: o abuso do poder policial
Mereceu destaque, entretanto, a repressão à Marcha da Maconha na cidade de São Paulo. Pela quarta vez consecutiva, a Marcha teve sua realização proibida pela justiça estadual, um dia antes da data para a qual estava prevista, deixando os organizadores sem tempo para recorrerem judicialmente. O desembargador Teodomiro Mendez, relator do processo que determinou a proibição, alegou que o evento “não trata de um debate de ideias, apenas, mas de uma manifestação de uso público coletivo de maconha”.
O desembargador que passou por cima do artigo 5º da Constituição, que garante a liberdade de expressão e manifestação a todos os indivíduos, tem antecedentes de condenação à prisão por espancamento de dois homens em 1993, no interior da delegacia de polícia de Campos de Jordão. Teodomiro Mendez, no entanto, não cumpriu pena. A punição prescreveu.
Na sexta-feira, 20 de maio (um dia antes da manifestação), os organizadores da Marcha da Maconha-SP se reuniram com o comando da Polícia Militar e acordaram com o major Félix e o capitão da PM Benedito Del Vecchio que, caso a marcha fosse proibida, o ato percorreria o mesmo trajeto mudando seu tema para liberdade de expressão.
“Cumprimos com todos os acordos que foram feitos na reunião”, conta Marco Magri, organizador da Marcha da Maconha. No sábado, pouco antes da confusão, o capitão Del Vecchio ratificou o acordo com os manifestantes, que tiveram de censurar seus cartazes e camisetas, tampando com fitas adesivas qualquer alusão à maconha. Minutos depois da conversa, porém, o mesmo Del Vecchio ordenou que a Tropa de Choque avançasse para cima dos manifestantes, sem qualquer aviso prévio.
Um dos manifestantes, Lucas Gordon, foi detido por estar distribuindo um jornal do Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR), “O Antiproibicionista”. Em seguida, outro organizador da Marcha da Maconha, Júlio Delmanto, ao questionar o motivo da polícia estar avançando, foi detido também. Foram esses os primeiros do total de 9 detidos durante a manifestação. Um deles, que carregava uma planta feita de papel com alguns cocos desenhados e uma placa dizendo “isso é um coqueiro” foi encaminhado à delegacia. Pelo jeito, além de livre expressão, ironia também dá cadeia.
Mesmo com os ataques da PM, a manifestação não se dispersou e continuou marchando pacificamente aos gritos de “liberdade de expressão”, “onha, onha, onha, eu quero debater”, “ão, ão, ão, abaixo a repressão”. Acelerado pelos bombardeios, o ato percorreu assim mesmo todo o percurso previsto. No caminho, manifestantes, jornalistas e pedestres que transitavam pelas ruas foram atingidos por balas de borracha, fumaças e estilhaços de bombas.
O professor do departamento de História da USP, Henrique Carneiro, foi atingido na cabeça por uma bomba de efeito moral que o fez buscar atendimento médico com a cabeça ensanguentada. Houve também o caso de um dos tenentes, o Feitosa, ter se desculpado depois do atropelamento de um repórter, dizendo que a moto da Polícia Militar estava sem freio.
Finalizado o ato, os manifestantes percorreram de volta todo o trajeto que haviam feito e concentraram-se em frente à delegacia onde a polícia mantinha alguns dos detidos. Aos gritos de “liberdade”, cerca de 500 pessoas permaneceram por mais de 1h até que todos fossem liberados.
“A proibição da marcha mostra que o poder judiciário brasileiro esta permeado de viúvas da ditadura, juízes que procedem de forma não só contrária à Constituição, mas demonstrando sua total falta de caráter, ao não nos dar espaço para defesa, proibindo o evento sempre na véspera”, afirma Júlio Delmanto, organizador da Marcha da Maconha, integrante do Coletivo DAR e um dos detidos.
Fazendo menção ao grupo de cerca de 25 neo-nazistas que compareceram no vão livre do MASP no início da manifestação para protestar contra a legalização da maconha, Delmanto considera como boa ilustração da atuação da polícia “os aplausos dos neo-nazistas assim que o choque começou a avançar», e ironiza: «Parabéns Alckmin, Teodomiro e Del Vecchio, vocês realmente merecem aplausos de Hitler”.
O secretário municipal de Segurança Pública de São Paulo, Edson Ortega, declarou na segunda-feira que pode ter havido “excessos” por parte da Guarda Civil Metropolitana (GCM) que se encorpou à repressão da Polícia Militar durante a marcha. As imagens divulgadas pela imprensa e os relatos de abusos serão utilizados para um processo de investigação da Corregedoria do órgão. O governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) também declarou que mandou averiguar se houve abuso por parte da polícia.
Duas ações em andamento no Supremo Tribunal Federal para contestar as decisões judiciárias que proíbem manifestações como a Marcha da Maconha por suposta apologia ao crime, devem ser julgada no STF nas próximas semanas. Caso seja aprovada, nos próximos anos nenhuma Marcha da Maconha poderá ser proibida.
Liberdade: a resposta da sociedade
Como resposta ao abuso policial que houve em São Paulo, os organizadores da marcha, junto com outros movimentos sociais, populares, artistas e outros setores da sociedade civil afetados pela repressão do Estado, realizaram a Marcha da Liberdade e contra a violência policial.
A marcha foi proibida um dia antes de sua realização, pelo mesmo Teodomiro Mendez, seguindo a mesma lógica de desarticular o movimento utilizada contra a Marcha da Maconha. A acusação do desembargador era de que se tratava de uma marcha da maconha disfarçada.
No último dia 28, entretanto, cerca de 5 mil pessoas deixaram claro que à repressão e à privação da liberdade de expressão, responderão com indignação e mobilização. Na Avenida Paulista, a força dos milhares lá reunidos contra a violência policial do Estado, fizeram com que o governo estadual desse um passo atrás, evitando a repetição de um cenário de repressão. Para o dia 18 de junho, já esta marcada uma Marcha Nacional pela Liberdade.
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