São Paulo, Brasil. Em 1950, quando o Brasil sediou a Copa do Mundo de Futebol, passamos por um trauma que até hoje habita a memória daqueles que a acompanharam: perdemos a final para o Uruguai por 2 x 1, numa derrota que adiou o sonho de ver o país campeão pela primeira vez, o que só aconteceu 8 anos depois; levou uma ótima seleção ao esquecimento e jogou uma pá de cal na carreira do goleiro Barbosa. No ano passado, com o anúncio da escolha do Brasil como sede do maior evento esportivo do planeta, a euforia tomou as ruas novamente. “O país do futebol” voltaria a receber a Copa após 64 anos.
Todos fomos tomados por uma grande alegria ao receber a notícia, pois esta veio acompanhada de grandes perspectivas. Especificamente a respeito da cidade de São Paulo, grande candidata a abrigar a abertura dos jogos, tivemos o bairro de Itaquera, na periferia da zona leste paulistana, como o escolhido para a construção do novo estádio e para receber as diversas obras de infraestrutura que viriam com ele. Os moradores de Itaquera tiveram um motivo a mais para comemorar.
Mas, como costumamos dizer por aqui: “Alegria de pobre dura pouco”. A promessa dos governos municipal, estadual e federal de não colocar dinheiro público nas obras privadas foi embora antes que a poeira das comemorações baixasse. Não bastasse isso, o anúncio de remoções das favelas e das comunidades mais desfavorecidas para atender aos interesses da especulação imobiliária, das empreiteiras e das classes dominantes do país, tem tirado a alegria do povo que aos poucos vai se transformando em indignação.
Podemos dizer que a Copa de 2014 no Brasil tem quatro alicerces de sustentação: a elitização do futebol, a criminalização dos movimentos sociais e da pobreza, o uso de dinheiro público em obras privadas e o favorecimento do capital em detrimento do social.
Estádios têm sido construídos como arenas de espetáculos com lugares reduzidos, a “geral” (setor mais popular, onde o jogo era assistido de pé, com ingresso mais barato) desapareceu e os ingressos estão cada vez mais caros. Não há esquemas especiais de transporte público nos dias de jogos, enquanto que o aumento dos estacionamentos ao redor do estádio e o investimento nas vias de acesso dos automóveis priorizam a cada dia o transporte individual.
Os movimentos sociais que lutam para que o legado do evento sirva de fato para atender aos interesses da população são tratados como “caso de polícia”, não são recebidos pelo poder público para dialogar e construir conjuntamente uma alternativa que de fato traga progresso para a região. O Comitê Organizador Local (COL), presidido por Ricardo Teixeira – que também é presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) -, assim como a FIFA, não estabelece o mínimo diálogo com a população diretamente atingida pelas obras.
Em documento apresentado pelo Brasil à FIFA em 2007, a estimativa era de que os gastos públicos para a construção de estádios seria de aproximadamente US$ 1,1 bilhão. Quatro anos depois, esse valor aumentou 140% e se aproxima dos US$ 6 bilhões. Vale lembrar que essa cifra não contabiliza empréstimos a estádios privados.
É exatamente esse o caso do polêmico “Itaquerão”. A Prefeitura do município de São Paulo concedeu benefícios fiscais da ordem de R$ 400 milhões para a construção desse estádio que provavelmente sediará os jogos na cidade. Vale lembrar que o estádio é privado e pertence a um dos maiores clubes do país, o Corinthians – que divulgou recentemente lucros astronômicos nos últimos períodos. O governo do Estado, além de pagar por 20 mil assentos, o que custará aos cofres públicos algo em torno de R$ 70 milhões, leva obras de acesso viário ao local, sem priorizar o transporte coletivo da região e removendo as famílias que a ocupam sem o mínimo de respeito por seus direitos. Não fica de fora o Governo Federal, que se orgulha de ser um dos grandes, senão “o” grande responsável por trazer a Copa para o Brasil, que não só liberou incentivos fiscais de aproximadamente R$ 65 milhões, como financiará a obra utilizando recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), num valor que ultrapassa os R$ 400 milhões. Odebrecht, a construtora que realizará as obras, é uma das mais ricas da América Latina.
A especulação imobiliária foi talvez quem mais comemorou com a vinda da Copa. Aluguéis, assim como o valor dos imóveis, nas regiões próximas aos estádios que receberão os jogos em todo o país têm crescido diariamente. As regiões têm passado por transformações radicais, levadas a cabo pelo poder público, com remoções de favelas inteiras, criação de parques lineares, construções de vias de acesso aos aeroportos e principais pontos turísticos, e aqueles que deveriam ser os maiores beneficiados por essa política são os primeiros a serem expulsos por ela.
Fora Teixeira!
Em um domingo de agosto em que os maiores times do Brasil se enfrentariam pelo campeonato brasileiro de futebol, as arquibancadas das mais diferentes torcidas pareciam ter um adversário comum e carregavam cartazes com a mesma motivação: “Fora Teixeira!”. É a primeira vez na história do futebol brasileiro que os torcedores se manifestam pela saída de um presidente da CBF. Desde que o país tornou-se oficialmente sede da próxima Copa do Mundo, as manifestações contra ele têm se alastrado.
O protesto articulado pela Frente Nacional dos Torcedores, da qual faz parte a ANT, conseguiu driblar as censuras e repressões da Polícia Militar e levar para dentro dos estádios faixas e cartazes contra essa poderosa figura. As maiores redes de televisão, transmitirão ao vivo a indignação dos torcedores.
Há 22 anos na direção da CBF, Teixeira já foi denunciado há mais de uma década por crimes como lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A denúncia mais recente contra o presidente da CBF é a de que recebeu propinas de empresas utilizando-se de sua posição na FIFA, a entidade máxima do futebol. O caso foi notícia nas principais agências de imprensa do mundo após denúncia feita pela BBC, principal rede pública britânica. As investigações sobre essas denúncias, no entanto, permanecem paradas na Justiça Federal do Rio de Janeiro.
No dia 15 de setembro a Associação Nacional dos Torcedores e Torcedoras (ANT) lançou abaixo-assinado na internet, dando seu primeiro passo rumo a uma grande campanha nacional contra Ricardo Teixeira. Acreditamos que, ao se concluir ele cometeu crime de corrupção, sua posição como presidente do Comitê Local Organizador da Copa do Mundo de 2014 se torna insustentável.
No dia 2 de outubro, está convocado um ato nacional “Fora Ricardo Teixeira”, que será realizado na cidade de São Paulo, com coleta de assinaturas pedindo a saída de Teixeira. Apenas a dissimulação de nossas autoridades permitirá a permanência deste senhor, amplamente repugnado pelos torcedores, à frente do futebol brasileiro e da Copa do Mundo.
Recordes não desejados
Somos o único país do mundo com cinco títulos mundiais. Os únicos que participaram de todos os eventos. Só o Brasil conseguiu vencer uma Copa fora de seu continente. O maior jogador da história do futebol é brasileiro. O recorde mundial de público também é nosso, quase 200 mil pessoas assistiram à final de 1950 no Maracanã. O maior goleador da história das Copas veste a camisa da nossa seleção. Temos muito orgulho de alcançar todos essas marcas, mas temos um medo maior ainda: medo de sermos recordistas em violação dos direitos humanos; violação dos direitos do torcedor; criminalização dos movimentos sociais; em uso do dinheiro público para fins privados. Essas marcas, não teremos orgulho nenhum de alcançar.
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