O que é o Movimento Passe Livre (MPL)?

Gabriela Moncau

São Paulo, Brasil. O que é e como se organiza o movimento social brasileiro que esteve à frente da faísca que chacoalhou, desde junho, o maior país da América Latina?

“Confusos, os ‘críticos’ dizem que se trata de um movimento comunista, anarquista, trotskista, punk, sindical, baderneiro…”, aponta o historiador Lincoln Secco, no artigo “Anatomia do Movimento Passe Livre”: “Mas sabemos que a finalidade do MPL não se define previamente. Apesar da evidência do motivo imediato (a livre locomoção urbana de todas as pessoas) e de ideais necessariamente vagos sobre outra sociedade, ele se define apenas como um grupo que luta. Luta por nós”.

O Movimento Passe Livre (MPL) surge em 2005 e tem como princípios a autonomia, o apartidarismo (não antipartidarismo), a independência e a horizontalidade. Luta pelo que chamam de “transporte público de verdade”, ou seja, gratuito para o conjunto da população e fora da iniciativa privada. Defendem que o custo do transporte seja pago por meio de impostos progressivos: paga mais quem tem mais dinheiro, menos quem tem menos, e quem não tem não paga.

“Serviço público é aquele que não tem exclusão, que permite o acesso de todas as pessoas. A educação e a saúde só vão ser públicas de verdade se o transporte for público de verdade”, defendem em texto publicado no site da campanha Tarifa Zero.

O movimento é nacional e se organiza por meio de um pacto federativo, que consiste no respeito aos princípios, mas na autonomia de cada coletivo local para se organizar como quiser, priorizando a ação direta. “O trabalho de base é focado principalmente em escola públicas e comunidades da periferia, com contatos com outros movimentos sociais e associações como de moradores”, conta Lucas Monteiro, membro do MPL de São Paulo.

“Os coletivos devem ainda estabelecer uma rede de contatos entre si, tentando ao máximo se aproximar uns dos outros, tornando real o apoio mútuo”, define a carta de princípios do movimento, que ressalta, ainda, a importância da construção de reivindicações “que ultrapassem os limites do capitalismo, vindo a se somar a movimentos revolucionários que contestam a ordem vigente”.

“Nossos princípios surgem de um processo”, destaca Mayara Vivian, integrante do MPL paulista desde o seu início. Em 2003 e 2004, aconteciam as Revoltas da Catraca e do Buzu em Florianópolis e Salvador respectivamente, num contexto em que havia há poucos anos a atuação do Centro de Mídia Independente (CMI) e da Ação Global dos Povos (AGP).

“O pessoal estava de saco cheio porque as perspectivas de militância organizada para a juventude eram ou fazer parte das grandes entidades estudantis como UNE (União Nacional dos Estudantes), ou de espaços de partidos de esquerda, ambos altamente burocratizados e verticais”, descreve Mayara. “Então juntou a insatisfação com o aparelhamento das lutas com uma necessidade econômica imposta pelo fato de a mobilidade ser fonte de lucro e não de cidadania”, resume. “Em São Paulo, no começo, era meia dúzia de estudantes de escola pública”, relembra.

Comitês pelo passe livre começaram a ser formados em diferentes cidades, em sua maioria por estudantes de escolas públicas, e a articulação entre eles partiu do grupo que se organizava em Florianópolis. Em 2005, no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, o MPL foi fundado. Em 2006 o movimento realizaria seu 3º Encontro Nacional na Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, com a participação de mais de 10 cidades brasileiras.

“Na plenária de fundação do MPL tinham vários partidos políticos tentando disputar o espaço, defendendo, por exemplo, que o movimento fosse uma oposição à UNE. E criamos uma série de mecanismos democráticos para impedir que isso acontecesse”, conta Mayara, exemplificando com o fato de as tomadas de decisão serem feitas por consenso, “para driblar práticas como da UJS (União da Juventude Socialista) que levava três ônibus de pessoas para levantar o braço em votações”. “Então são princípios que não foram tirados numa reunião e repassados para o resto. Foram construídos no calor da batalha”, resume.

Princípios esses que se traduzem não só na organização interna do movimento, mas também em suas manifestações de rua. A não utilização de carro de som é um exemplo. “O carro de som simboliza várias coisas: uma cúpula dirigir o ato, impor um discurso em nome de quem está se manifestando, condicionar a participação das pessoas no ato ao que está sendo dito ali em cima, dirigentes se estapeando para ver quem dá o tom do ato”, analisa Mayara, acrescentando que “se você não está organizado em nenhuma corrente ou grupo, você não está representado ali no carro. E a gente quer construir, não quer disputar”.

“O carro de som traz uma verticalização que para nós que somos horizontais, não existe”, sintetiza Mayara. Dessa concepção surge a Fanfarra do MAL (Movimento Autônomo Libertário), bateria que nasce composta em grande parte por integrantes do MPL mas que é independente dele e se organiza para potencializar e agitar manifestações de rua em São Paulo. “Além do mais, a luta da esquerda tradicional é muito careta, né? A Fanfarra pauta o ritmo e o batuque como resistência. Não param de tocar nem durante confronto”, comenta Mayara, lembrando, com um sorriso, a famosa frase da anarquista estadunidense Emma Goldman: “Se eu não puder dançar, não é a minha revolução”.

Quanto à relação com o poder institucional – relação essa quase nula até pouco tempo atrás –, ela se estabelece sem qualquer confiança ou ilusão. “Aceitamos ir às reuniões para as quais fomos chamados, com a Dilma, com o Haddad, por sermos abertos ao diálogo”, avalia Mayara Vivian, mas ressalta a convicção de que as conquistas se dão na luta, nas ruas.

“O espaço institucional é construído para não funcionar para o povo. Não temos esperança nenhuma de conquistarmos nossas reivindicações a não ser pela pressão”, constata Mayara. “Tampouco negociamos em nome do povo. Comparecemos para explicar o que reivindicamos, mas de forma alguma vamos negociar se vai ser menos, mais, isso ou aquilo. Não colocamos meias palavras entre os gritos da rua e o que é dito para os governantes”.

Gabriela Moncau é jornalista.

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