As mobilizações que contagiaram todo o Brasil, relato de um jornalista ferido

Depoimento recolhido por Brisa Araujo Foto: COPAC-MG

Fui cobrir a manifestação pelo Comitê Popular da Copa e pelo Coletivo Nigéria, que é um coletivo de comunicação do qual eu faço parte. Chegamos no início da concentração, que estava marcada para as 10, quando chegamos já estavam no local cerca de 5 mil pessoas, mas o número cresceu muito rápido, vinha gente de todos os lados.

Os números não foram confirmados e nem sei se serão, mas a polícia fala em 20 mil pessoas, alguns líderes dos manifestantes cogitaram 50 mil, e houve jornais que chegaram a falar em 85 mil pessoas. O que é fato é que foi muita gente, e a todo momento chegavam mais

A caminhada começou ao meio dia e a polícia já estava disposta a uns 200 metros de onde estava a concentração. A manifestação caminhou um pouco e já deu de cara com a polícia.

Foram alguns minutos de tensão. Existia uma primeira linha da polícia militar, com poucos policiais bloqueando a rua com grades de metal. E logo atrás dessa primeira linha estavam a tropa de choque e a cavalaria. As pessoas queriam passar e os policiais mantinham a proteção, o bloqueio. Alguns manifestantes começaram a gritar: “Avança! Avança!”, outros começaram a jogar pedras, mas a maioria pedia que não houvesse violência. Neste primeiro confronto, as bombas de gás lacrimogênio começaram a voar em grande quantidade e a massa se dispersou por um tempo.

Depois que o efeito das bombas passou, as pessoas voltaram a se reunir e dessa vez com um pouco mais de calma, tentavam cada vez mais falar pela não-agressão. Gritavam: “Sem violência!” e algumas pessoas se ajoelhavam a uns 5 metros da polícia, e a mais distância da tropa de choque. Se ajoelhavam, alguns ofereciam flores, mostravam bandeiras.

Mas dessa segunda vez a reação da tropa de choque foi ainda mais desproporcional, porque a tropa abriu fogo com balas de borracha, bombas de gás lacrimogênio, sem que tivesse havido nenhuma atitude clara de ameaça por parte dos manifestantes.

Nesse momento eu saí correndo para tentar me proteger, mas mesmo assim levei um tiro de bala de borracha no meu olho esquerdo. Se eu não tivesse colocado um óculos de natação poucos minutos antes, acredito que teria perdido a minha visão.

Tive que me recolher um pouco depois disso, mas ainda fiquei cerca de uma hora por ali, mas não exatamente na linha de encontro entre manifestantes e policiais. Fiquei mais uma hora por ali acompanhando e resolvi ir pro hospital. Mas os demais membros da minha equipe ficaram até o final. A manifestação continuou até as 18h. A marcha saiu por outra rua, uma rua paralela a essa que também vai em direção ao Estádio Castelão, e a manifestação permaneceu ativa durante todo o jogo do Brasil, até por volta das 18h. O confronto chegou a envolver pessoas que estavam indo em direção ao estádio para ver a partida.

No segundo confronto eu não vi, como no primeiro, as pessoas jogando pedras. Na primeira vez mais pessoas jogaram pedras – mesmo assim, acho que não justificaria o gás lacrimogênio, já que tinha muita gente ali. Mas na segunda vez foi um pouco diferente, as pessoas que estavam na frente se ajoelharam mesmo, com as mãos para cima, e a tropa abriu fogo com muita bala de borracha, sem se importar que eles estavam rendidos. No meu caso, eu fui atingido no olho, mas ouvi muitos relatos de conhecidos e também de outras pessoas no Facebook que também foram atingidos com bala de borracha. E, dessa segunda vez, não vi nenhuma provocação.

O confronto aconteceu numa avenida que é uma reta direto ao estádio. Se caminhássemos de 3 a 5 km chegaríamos diretamente ao Castelão. O bloqueio da tropa de choque ocorreu muito próximo da concentração da manifestação. A gente andou muito pouco, uns 200 ou 300 metros e já chegamos até a polícia. Acho que teve gente que nem andou, porque a manifestação era tão grande que ia tranqüilamente da linha dos policiais até a concentração. Muita gente chegando o tempo inteiro. Quando eu fui embora, por volta das 14h, ainda tinha gente chegando na manifestação.

O Comitê Popular da Copa não estava na comissão de organização do protesto e eu estava somente cobrindo. O Comitê já está atuando desde 2009, com pautas diretamente ligadas à realização da Copa do Mundo. A mais dramática delas é a remoção de populações para obras da Copa. Aqui em Fortaleza temos vários casos de comunidades inteiras que vão ser removidas para isso. Mas o Comitê não estava na organização dessa manifestação.

São manifestações sem lideranças muito claras e determinadas, que acabam ficando diluídas, as pautas que surgem são marcadas pelos cartazes, e algumas palavras de ordem. Está muito heterogênea a manifestação, tem gente que fala de corrupção, outros “mais dinheiro para saúde e educação”, outras pessoas pedem a reforma política.

É um pouco diferente de São Paulo e Rio porque aqui o aumento do transporte foi em janeiro e teve uma certa pressão popular contra o aumento, mas não chegou a essas proporções. Fortaleza, claro, tem relação direta com as demais manifestações pelo Brasil, porque isso está contagiando e mobilizando as pessoas, está mostrando que é possível se mobilizar e lutar pelos seus direitos, mas acho que o ponto que aglutinou todas essas pessoas foi o jogo do Brasil e a Copa do Mundo.

Se você me pedisse para apontar uma pauta que fez com que as pessoas fossem às ruas, eu diria que é esse clima do país que está mobilizando as pessoas, juntamente com o fato do Brasil ter jogado ontem com um gasto exorbitante. O Castelão custou 500 ou 600 milhões de reais, enquanto não saiu praticamente nenhuma obra de mobilidade urbana, que eram as que deveriam ser o legado da Copa para os cidadãos. Até agora o legado da Copa é apenas um estádio, no Padrão Fifa, né?. Quando as pessoas esperavam que o legado fossem obras públicas que fossem melhorar a qualidade de vida da população.

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