Chiapas, México. Deveria dar vergonha ao mau governo dizer que seus policiais estão aqui para salvaguardar a ordem e a paz social, quando diante deles acontecem roubos, ameaças, movimento de paramilitares, disparos de arma de grosso calibre, e são realizados despejos e desapropriações dos pertences e colheitas dos nossos companheiros, protestam os integrantes da Junta de Bom Governo (JBG) Nova semente que vai produzir, da zona norte de Chiapas.
Perguntamos, o que é que eles querem com todas essas ações? Definam-se, falem claro assim como nós falamos, melhor que digam que querem nos matar, despejar, assassinar e roubar. É uma pena que no México exista um mau governo que na sua cabeça em vez de ter inteligência tenha merda no cérebro, destacam os zapatistas.
No final de outubro, na presença da segurança pública do estado, bases de apoio do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) das comunidades de Abel e União Hidalgo foram desapropriadas de suas terras e colheitas por paramilitares do município de Sabanilla.
No último dia 6 de setembro, esses terrenos aproximadamente 11 hectares onde havia uma plantação de milho foram ocupados por paramilitares, que já dividiram entre si a terra. Os invasores roubaram a terra e colheram tudo, não deixaram nada e agora plantaram feijão, denunciou a JBG zapatista.
No dia 8 de setembro, 150 agressores começaram a disparar, quando a situação já não era mais suportável muitos habitantes fugiram da comunidade autônoma zapatista de São Marcos, que se estende desde Sabanilla até Tabasco. A pesar do perigo, 22 homens e cinco mulheres, que não tem filhos pequenos, ficaram na comunidade para defender suas terras, animais, pertences e, acima de tudo, suas vidas.
No dia 12 de setembro a JBG visibilizou, através de um comunicado, a gravidade da situação: mulheres e crianças foram desalojadas, 14 pessoas estavam desaparecidas entre as comunidades Nuevo Povoado do Comandante Abel e a comunidade de União Hidalgo.
O Novo Povoado Comandante Abel está localizado nas terras que foram recuperadas pelo EZLN em 1994. Há poucos meses a população que aí vivia se encontrava na comunidade de São Patrício, resistindo pacificamente a múltiplos ataques paramilitares.
Faz exatamente um ano os habitantes foram desalojados porque suas terras foram invadidas por paramilitares de Ostilucum, uma comunidade próxima. Os habitantes conseguiram voltar, mas perderam sua colheita. Com o aumento das ameaças de uma nova invasão e de um possível massacre, as famílias das bases de apoio do EZLN decidiram mudar-se para um terreno chamado Lámpara. A pesar disso, continuaram as ameaças, e no dia 6 de setembro os paramilitares de União Hidalgo invadiram as terras do Novo Povoado Comandante Abel, disparando contra as famílias, que fugiram para as montanhas.
As agressões continuaram: no dia 6 de outubro, os paramilitares dispararam com armas até às 3 da madrugada, o último disparo foi a 150 metros da casa de um dos membros das bases de apoio zapatistas. Nessa mesma noite voltaram os disparos, e no dia seguinte chegaram à comunidade 15 agentes da segurança pública.
No dia 24 de outubro chegaram reforços dos invasores de União Hidalgo, que estão ocupando o terreno que era das bases de apoio, no dia seguinte, no terreno invadido, os paramilitares fizeram movimentos militares com três grupos usando armas de grosso calibre, e mandaram uma comissão ao acampamento dos policiais. Todos os dias a polícia realiza rondas de Sabanilla à São Patrício, e à tarde e à noite de São Patrício ao lugar ocupado pelos paramilitares e à União Hidalgo.
Os invasores e a polícia, praticamente, se mobilizam ao mesmo tempo. Observa-se claramente que são uma única força e que conduzem suas ações para uma única direção. A JBG, em um comunicado, afirma que o objetivo é que os policiais, ordenados pelo presidente Felipe Calderón e pelo governador Juan Sabines Guerrero, treinem aos invasores. E também desmentem o comunicado oficial do dia 9 de outubro, no qual se afirma que grupos de São Patrício e União Hidalgo solicitaram a presença da polícia, e que respeitaram os direitos dos integrantes do EZLN.
Os reforços policiais em vez de retirar os invasores da terra zapatista impulsionam a violência para impor seu projeto de regularização, ainda que esta terra já está entregue àqueles que nela realmente vivem e trabalham, afirma a Junta.
Desde 2000, as famílias bases de apoio do EZLN rechaçaram os programas assistencialistas do governo federal, foi quando começaram, em suas comunidades, as ameaças dos priistas [como nomeiam aqueles que não são zapatistas, em alusão à relação que costumam ter com o partido que esteve por décadas no comando do México, o PRI] relacionados ao grupo paramilitar Paz e Justiça. Há um ano essas ameaças aumentaram. Anunciaram por alto-falantes que se não recebessem as terras da comunidade Comandante Abel, nós iríamos sofrer, dizem que vão nos massacrar, denunciam desde Chiapas.
Durante mais de 18 anos, o Estado mexicano estabeleceu uma guerra de baixa intensidade contra as comunidades zapatistas. Planos de contrainsurgência, desenvolvidos com a ajuda dos Estados Unidos, depois do levantamento armado do EZLN, criaram estruturas que continuam operando até os dias de hoje.
A mensagem plasmada pelas Juntas de Bom Governo nos seus comunicados é clara: o estado apoia aos grupos paramilitares e, através de manipulação, mentiras e promessas de terras e recursos, fomenta a que certos grupos tomem posturas hostis e agressivas contra aqueles que resistem e se opõem a ser cooptados. Assim, os projetos assistencialistas, implementados principalmente em zonas onde as pessoas estão na luta, levam a cabo táticas de contrainsurgência da chamada linha suave (soft line strategies) para acalmar a fome, criar dependência e desanimar a resistência.