A história de uma afetada pela Hidroelétrica de Estreito

Depoimento recolhido por Débora Prado, da revista Caros Amigos, em Tocantins

A casa que Maria José morou a vida inteira a beira do Rio Tocantins, criou os filhos, plantou milho, algodão e babaçu foi a primeira derrubada no município de Barra do Ouro, Tocantins, para a construção da Usina Hidroelétrica de Estreito. Esa é mais uma das obras financiadas pelo governo federal por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Apesar de ter sido desalojada pela construção de Usina Hidrelétrica de Estreito, sua nova casa não tem energia. Maria José tampouco foi reconhecida pelo Ceste – o consórcio de empresas que usufruem da concessão pública do rio e responsável pela construção da Hidroelétrica – para receber uma indenização. Para a coordenadora nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, Judite da Rocha, uma referência entre os moradores da região, seu caso serviu de exemplo para assustar os outros moradores, acelerando a aceitação das cartas de crédito de baixo valor oferecidas pelo consórcio para desocupar a área. A seguir depoimento de Maria José.

“Foi no começo de 2010. Eles chegaram aqui de uma hora pra outra e derrubaram a casa, jogaram tudo que tinha bem aí. Não é fácil não, morei ali a vida inteira, tinha tudo plantado, criei os filhos. O primeirinho aqui foi a gente, os vizinhos saíram depois. Aí a minha filha disse – a senhora se esconde, se não a senhora vai avançar na muié. Aí eu me escondi no mato pra não ver eles derrubando a casa, porque a gente fica nervosa né… Quem é que gosta de ver?

Tiraram nossos trem tudinho e jogaram no mato, eu e meus meninos, todo mundo sofrendo. Pobre tem uns caquinhos velhos, mas pra gente é importante. Meu filho falou que não ia sair, mas aí eles falaram que iam derrubar com ele dentro né, aí ele saiu, foi o jeito. Ele saiu de dentro e derrubaram a casa. Mas aí vieram com o trator, derrubaram, fizeram um buracão e enterraram. Quando eu cheguei eu botei a mão no cabelo e fiquei assim chorando. Eu fiquei com uma raiva. E um monte de gente olhando, todo mundo olhando e derrubaram a casa. A oficial de justiça me disse que não tava nem aí, que ela tava ganhando o dela.

Aquele dia foi ruim demais, fizeram com a gente que nem se faz com porco. Aí nós dormimos mais ou menos duas semanas embaixo de um pé de manga e depois fizemos o barraco de palha, ficamos um ano embaixo da lona. Depois disso eu adoeci e nunca fiquei boa. O doutor disse pra eu voltar lá daqui 15 dias. Vou passar dois anos lá consultando pra ver se tenho como melhorar um pouco.

Tenho depressão, minha filha. É que eu não durmo a noite, não tenho vontade pra comer, desde o dia que derrubaram a casa. Só tomando um remédio que eu durmo, mas nem é todo dia. Aí o doutor mandou eu tomar dois anos o remédio pra ver se eu melhoro um pouco. Eu não fico mais sozinha. Antes eu ficava em todo lugar, não tinha medo de nada, mas depois que derrubaram a minha casa, eu não fico não. E quando eu vejo o povo do Ceste me dá uma coisa ruim, eu não gosto de ver nem o carro deles. A oficial de justiça me disse que não tava nem aí, que ela tava ganhando o dela.

Teve gente que recebeu indenização, eu fico me perguntando por que nós não? Podia ser pouco, mas era da gente né. Por que não pagaram? A oficial de justiça foi lá e trouxe uns policiais pra tirar a gente. Nosso nome não tava nem no papel, mas derrubaram minha casa e da minha nora mesmo assim.

Aí tem um mês que conseguimos construir a casa aqui, juntando da aposentadoria do meu marido. A água do rio que usamos agora está dando coceira. Se tomamos banho coça demais né. E a gente bebe né, dá uma dor de barriga, mas não tem outra pra beber. A água fica parada, não tem pra onde correr. Muriçoca tem demais né”.

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