A guerra dos Guarani-Kaiowá: Reza para parar bala. Retomada para andar justiça.

Por Joana Moncau Fotos: MPF, Joana Moncau e Spensy Pimentel

Mato Grosso do Sul, Brasil. Os disparos vinham em sua direção. Ergueu os braços para os céus com o Mbaraka na mão e rezou. Uma bala de borracha acertou suas costas. Mesmo ferido, o xamã Guarani-Kaiowá de mais de 60 anos, não parou de cantar. “Onde cai rezei para que não morresse ninguém», conta. Seu canto era abafado pelos sons de tiro. E assim amanheceu. Nenhum morto naquela madrugada do dia 23 de agosto. Do acampamento que o grupo de quase 30 indígenas Guarani-Kaiowá mantinha na beira da estrada no município do Iguatemi, não sobrou barracas, pertences ou comidas, tudo foi queimado. Pelo menos quatro indígenas foram feridos pelas balas de borracha e espancados. Acampavam ao lado da Fazenda Santa Rita, que pertence ao prefeito desse município. Lá está o território indígena tradicional conhecido como Pyelito Kue – Mbarakay que reivindicam desde longa data.

A mais recente tentativa de retomada da área teve início no último dia 09 de agosto. O grupo de Guarani-Kaiowá ocupou parte da Fazenda Santa Rita. Não se passaram quatro dias para que sofressem violentos ataques por parte dos pistoleiros encapuzados e armados. Tiveram que sair correndo do local e se esconder na mata para se proteger, onde pretendiam ficar e resistir. Entretanto, segundo liderança indígena do grupo informou por telefone ao antropólogo kaiowá Tonico Benites, no dia 17 de agosto, a situação ficou insustentável. Depois de dois dias em que as crianças, homens e mulheres já estavam sem comer nada, só bebendo água, parte do grupo decidiu sair da mata. “Nesse momento se depararam com os homens da fazenda armados e os indígenas pediram para que não lhes matassem e nem espancassem as crianças. Os jagunços disseram que deixariam eles saírem vivos dessa vez, mas que não sairiam com vida se retornassem”.

Ameaçados, deixaram a fazenda para montar o acampamento na beira da estrada que faz divisa com a mesma e seguir com sua luta. Mesmo assim, foram atacados no último dia 23. Se a ameça não cessou, a determinação dos indígenas se fortaleceu. “Voltamos para o mesmo lugar, onde havia barraco queimado levantamos outro no lugar”, conta membro do grupo. Seus integrantes afirmam: “Vamos ser enterrados aqui, daqui não saímos, vivos ou mortos estamos aqui”.

O ataque está sendo investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal (PF) e o procurador da república, Marcos Antônio Delfino, abrirá um inquérito por genocídio para apurar o caso, que teve repercussão internacional. Enquanto isso, o grupo segue recebendo ameaças de que pistoleiros retornarão para retirá-los do local e aqueles que querem apoiá-los recebem intimidações.

Das outras retomadas

Em julho de 2003, o grupo Guarani Kaiowá que ocupou a área Mbarakay já havia tentado retornar à Terra Indígena Pyelito Kue – Mbarakay. A ocupação não durou dois dias, foram expulso por pistoleiros das fazendas da região, que invadiram o acampamento dos indígenas, torturaram e fraturaram as pernas e os braços das mulheres, crianças e idosos.

Em dezembro de 2009, o grupo retornou à região e foi espancado, ameaçado com armas de fogo, vendado e jogado à beira da estrada em uma desocupação extra-judicial, promovida por um grupo de pistoleiros a mando de fazendeiros da região. Na ocasião, mais de 50 pessoas, inclusive idosos, foram espancadas, e um adolescente desapareceu.

O maior grupo indígena do Brasil

Essa última ocupação foi realizada quase um ano após a Funai lançar um pacote de grupos de identificação de terras indígenas no estado, em 2008. Estão previsto o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas em 26 municípios da região sul do Mato Grosso do Sul, entre elas Pyelito Kue – Mbarakay. As ocupações das terras reivindicadas pelos indígenas são para pressionar pela rápida conclusão dos trabalhos de identificação, a cargo da Funai.

Os Guarani-Kaiowá formam o maior grupo indígena do Brasil: são 45 mil pessoas que vivem no Mato Grosso do Sul. Nesse estado, que abriga a segunda maior população indígena do país, esse grupo sofrem constante violência e racismo. Os Guarani-Kaiowá vivem em pequenas “ilhas” de terra que, somadas, alcançam pouco mais que 42 mil hectares – compare-se com o 1,7 milhão de hectares da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem 20 mil pessoas. Acossados pelos fazendeiros, rodeados por pastagens e plantações de soja e cana, sem terra, nem mata – da mata original ali não restam mais que 2% –, lutam a duras penas para sobreviver.

*Com informação do antropólogo kaiowá Tonico Benites, do conselho da Aty-Guasu.

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